quinta-feira, 30 de março de 2017

Ministério Público Federal afirma que Marconi Perillo era “peça central” em esquema de corrupção da Delta



A denúncia do Ministério Público Federal obtido com exclusividade pelo Blog Morgantini.blogspot.com sobre o esquema de corrupção da Delta Construtora em Goiás coloca o governador Marconi Perillo como “peça central” em um esquema que começou em 2011, quando do início de seu Governo em Goiás.
O documento, assinado pelo vice-procurador Geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, é endereçado ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, e vem explicando detalhadamente como funcionava a organização criminosa que envolvia o empresário Fernando Cavendish – dono da Delta – seu representante no Centro-Oeste, Claudio Abreu e, ainda, o contraventor Carlos Cachoeira, que é considerado “operador oculto” no esquema que tinha como principal objetivo desviar recursos das obras do Governo de Goiás.
Segundo o Ministério Público Federal apurou, quando Marconi Perillo entrou no Governo de Goiás, as verbas destinadas a obras da Delta tiveram um salto considerável de volume. “Pularam da casa dos R$ 5 milhões para R$ 70 milhões”, afirma.
Para isto, de acordo com a denúncia, havia o direcionamento das obras para a empresa por ordem expressa do governador Marconi Perillo. O vice-procurador geral lista uma série de benefícios que Perillo recebeu para dar preferência à Delta.

                                



Benefícios
Um deles é o pagamento feito por parte da empresa de uma de suas dívidas de campanha no valor de R$ 45 mil. O beneficiado foi Luiz Carlos Bordoni, que é citado na denúncia e elencado como uma das testemunhas que corroboram para o pedido de abertura de processo no STJ. Em troca, segundo a denúncia, haveria a manutenção de um contrato de locação de carros de Delta para o Estado, através da assinatura de um aditivo ao contrato original.
Ainda de acordo com os relatos da denúncia e com base na narração das testemunhas, Marconi Perillo solicitou – através de assessor – ao marqueteiro Luiz Carlos Bordoni o fornecimento de sua conta corrente para a quitação da dívida. Bordoni encaminhou a ligação para sua filha, detentora do número da conta. Ela foi informada de que receberia o total da dívida pela prestação de serviços do pai na campanha vitoriosa de Marconi Perillo.
E então foi neste momento que houve a prova para o MPF de que havia uma relação corrupta entre as empresas fantasmas, criadas para dar cobertura à atuação da Delta e o Governo de Goiás. Isto porque o pagamento feito a Bordoni foi por intermédio de um depósito no valor de R$ 45 mil feito pela Alberto & Pantoja. A empresa é uma das que tiveram maior atuação no esquema. Ela movimentou mais de R$ 20 milhões e sequer tinha um funcionário.
O mesmo caso se repetiu com outra parcela da dívida. E desta vez o processo semelhante foi aplicado, só que com outra empresa já marcada como fantasma no esquema da Delta: a G & C Construções e Incorporações.
Em troca, foi feita a aditivação do contrato de locação de veículos, aumentando em mais 146 carros, com o valor total aumentado em pouco mais de R$ 3 milhões. O acréscimo mais os reajustes do novo aditivo, fez o contrato final pular de R$ 66.170.580,00 para R$ 75.302.955,00.

Conhecimento
A denúncia do Ministério Público Federal aponta que Marconi Perillo tinha “ciência de que o valor dispendido com o contrato de locação, nos moldes como era posto, era desvantajoso para a administração e ilegal por violar o artigo 37 da Constituição Federal”.
O documento conclui que o Governador de Goiás, Marconi Perillo, cometeu os crimes de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal), tendo cometido crime contra a administração pública (previsto no artigo 327) e, por fim, por ter infringido o Artigo 71, que trata dos crimes continuados.

O Vice-Procurador Geral, José Bonifácio de Andrada, pede que o ministro Humberto Martins a abertura de processo, apuração e condenação de Marconi Perillo, Fernando Cavendish e Claudio Abreu.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A vida é tão desprevenida e exata, que um dia acaba


Para Karl Gustav Jung, cujo um dos maiores fãs anapolinos é o médico endocrinologista Jorge Cecílio Daher, o homem morre frustrado, irremediável e irrefutavelmente falido em suas esperanças com a vida. Tudo porque, segundo Jung, não conseguimos nunca viver a vida que gostaríamos de ter vivido. Faz sentido. Muito, aliás. Muitos são os pensadores, filósofos, poetas e bêbados ilustres por aí que, no ocaso da vida, repetiram que se pudessem não viveriam com tanta prudência, com tanta delicadeza e até mesmo com medo da vida. Borges, o poeta argentino, escreveu sob esta perspectiva em “Instantes”. Vale a transcrição:
Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico, correria mais riscos, viajaria mais. Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

A conclusão que o argentino chega ao final de “Instantes” é: “Mas vejam, tenho 85 anos e sei que estou morrendo”. O arremedo não é outro senão a da frustração. Deixando de lado os poetas importados, Manoel Bandeira, que viveu a vida inteira achando que morreria na semana seguinte e ultrapassou a incrível (até mesmo para os padrões de hoje) marca dos 80 anos, também vaticinava acerca da “vida que poderia ter sido e não foi”, como em Estrela da Vida Inteira.
Falar é fácil demais, uma beleza. E eu, quase sempre dando muita vazão ao lado subjetivo da vida (quer coisa mais subjetiva que poesia?), às vezes me pego pensando na utilidade da poesia para a existência material e prática. Falar de amor, de existência ou morte é quase sempre um exercício que perde seu sentido à medida que o tempo pode ser utilizado para trabalhar, ganhar e gastar dinheiro, ou mesmo ter prazeres dos mais belos e terrenos. Para que serve tanta poesia? Ou, ainda, como deixar todos os compromissos, o relógio que nos prende e nos acorda cedo, para viver a vida que poderia ter sido, com direito a ter um perfil quase hippie ou ermitão, com tardes descalças, nados no rio, viagens e outros delírios de Jorge Luiz Borges?
O homem é só frustração a partir do momento em que só descobre o que realmente poderia querer quando não há mais tempo para se realizar. E para descobrir isto não é preciso atingir o final da vida. Reflita você, agora, em quantas situações não se arrependeu de não ter dito ou feito algo bem no instante seguinte em que já se tornou impossível fazer ou falar aquilo. A morte é mestra na coroação deste momento. Quando se perde alguém o primeiro pensamento que surge é o que deveria ter-se feito ou falado se tempo houvesse para tanto. “Eu deveria ter dito aquilo”. “Por que eu não fiz isto?”. Todos recorrentes.
O homem é vítima do próprio arrependimento que ele se permite inserir e viver dele e nele.
Uma das grandes esfinges de mistério que o ‘além-vida’ pode proporcionar – e se isto for verdade, o ato de morrer já vale à pena por matar a curiosidade – será saber porque o homem moderno só vive baseado em ação e pouco, pouquíssimo, em reflexão. Este perfil característico é o cerne de todo o arrependimento. Por que tanto trabalho ou dinheiro? O que mais seduz, o conceito de felicidade ou o conceito de poder? Quando estes dois se misturam e quando a necessidade de ter os dois pode ser conflitante?
E em que paradoxo vivemos que não podemos então parar para admirar e ver a vida, esta vida do amor de pais e filhos, dos amores naturais e profundos, porque temos que correr e correr, sem parar? Se tudo é por alguém ou por um amor que é incondicional e perfeito demais, por que não viver mais este amor e deixar com que as coisas sigam um caminho menos duro, hostil e que consome nosso tempo, vida e saúde?
Penso em mim e penso na diversidade de amigos e conhecidos que tenho e do que conheço da vida de cada um. Todos, de uma maneira pouco diferenciada, caminhamos numa mesma direção rumo à passagem pela vida. A existência com maior ou menor êxito de cada um sempre ocorre da mesma forma. Todos querem a mesma coisa. Uns conseguem muito, outros pouco, mas o mundo tornou a necessidade humana quase idêntica. E então, robotiza-se a existência. Para no final de tudo, descobrir-se que pouco ou até mesmo nada valeu a pena.
E aí vem uma espécie de arrependimento “pré-mortem”.
O poeta e pensador urbano Agenor Miranda de Araújo Neto, certa feita, questionou: “Pra que sonhar? A vida é tão desconhecida e mágica que às vezes dorme ao seu lado calada. Para que buscar o paraíso se até o poeta fecha o livro?”. E ao fim de “Ritual”, a conclusão fatalista – e sob certo prisma – um tanto quanto real: “Ao Deus que ensina a prazo ao mais esperto e ao mais otário. O amor na prática é sempre ao contrário. Pra que chorar: a vida é tão desprevenida e exata que um dia acaba”.
Deus ensina a prazo? Por que demoramos tanto para entender que nossa vida, cedo ou tarde, vai desaguar no arrependimento? Michelangelo Buonarroti concluiu sua vida com uma lamentação egocêntrica de quem tinha a certeza de que merecia viver pelo menos mais outra vida: “Vou morrer logo agora que estou no começo do entendimento de tudo que é a vida”.
Fica fácil colocar no transcendente a culpa por nossas inquietações. Mas além da crença do Deus, no divino e perfeito, no transcendente, é imprescindível crer na própria capacidade de fazer diferença e realizar na própria vida uma forma de minimizar este efeito senil do arrependimento de ter querido fazer mais e não ser mais possível. É bem provável que este sentimento de “deveria ter feito mais isto e menos aquilo”, como está em “Instantes” de Jorge Luiz Borges, também só exista como uma seqüela de que a vida está se esvaindo.
Como Deus em certos temas, efetivamente, ensina a prazo e que somente com o tempo de existência (e espera-se com o tempo além-vida) se aprendem certos conceitos sobre a vida, uma coisa é certa: é preciso refletir mais, talvez na mesma velocidade em que se sente vontade de agir. Porque somente com a reflexão no que se quer viver pode-se minimizar a chance de lá à frente perder-se no lago turno e de águas paradas do arrependimento.
A vida inteira que poderia ter sido e não foi.
Que façamos sê-la, que usemos a chance única que é a existência terrena a fim de melhor aproveitarmos estes instantes.
“É preciso viver, não apenas existir”. Não há mais nada a dizer que Plutarco, autor desta derradeira citação, não tenha dito. Vamos nos permitir.

sábado, 19 de junho de 2010

Símbolos da modernidade

Cada semana de 2010 revela uma tendência na área política. É assim do início da pré-campanha, depois de fevereiro, e somente se intensifica até a campanha tomar de fato um rumo e assumir uma característica específica no auge da disputa. E só então, quando se entra nesta reta de chegada, é que se descobre qual ou quais os motes que serão preponderantes para que um candidato vença e os outros percam no pleito majoritário.
Mas, enquanto isto não acontece, diversas linhas de pensamento e de perfis específicos vão surgindo, num movimento curioso, como se fossem feitos testes com os candidatos e, logo, com o eleitor, para saber qual qualidade – ou defeito – pesa mais para quem vai digitar seu voto na urna. São diversas, portanto, as questões levantadas entre os grupos políticos diletantes para elevar o conceito de seu pré-candidato e, claro, comprometer a imagem e a competência de outro.
Há algumas semanas persistindo na lide dos debates entre os dois principais candidatos em voga nas pesquisas até o momento, um item promete ser mais do que uma provocação passageira de pré-campanha. O debate sobre a “modernidade” chega com força nas eleições de Goiás deste ano, com a expectativa alimentada de parte a parte pela participação dos grupos de Iris Rezende e Marconi Perillo. Ambos, sob sua perspectiva institucional enquanto partidos defendem que seus ideais, suas propostas e, obviamente o seu candidato, é o que tem o perfil mais adequado para atender à modernidade.
Mas a dúvida que surge neste horizonte de tentativas de emplacar um nome na empatia do eleitor é: o que é modernidade? Ou, ainda: para que serve como vantagem ter a pecha de algo “moderno”? O novo sempre surge, quer alguém queira, quer não. Mas nem todo novo, nem toda “nova novidade” é benéfica. O Brasil, o mundo, e cada um de nós em nossos universos particulares e cotidianos sabemos que nem tudo que nos surge como novidade e símbolo supremo de modernidade é proporcionalmente bem-vindo e positivo. Os exemplos são de se perder de vista.
Mantendo o foco em Goiás, é interessante perceber como há tanta insistência na criação do perfil do “moderno” que até mesmo alguns bastiões já foram elencados pelos pensadores das campanhas. Entre eles está a inclusão da informática no discurso, agora traduzida com um “moderno” termo de “Tecnologia da Informação” (ou simplesmente TI) e, ainda, uma ferramenta digital descompromissada, meio moleca, que vem ganhando importância superestimada: o tal do Twitter.
O Twitter nada mais é que uma rede social, na qual pessoas podem ecoar uma opinião simples ou relatar rapidamente um ato de suas vidas para centenas, milhares e até milhões de pessoas. Quanto mais seguidores, ou seja, gente interessada em saber o que você faz e pensa sobre qualquer assunto, mais eco digital haverá em uma simples frase. E uma informação besta como o presidente Barack Obama dizer, hipoteticamente, “Hoje acordei indisposto, com piriri e vou ficar na cama” pode chegar a milhões de pessoas pelo mundo. Tudo via Twitter.
E o tal do Twitter, um bobagem que ganha ares de instrumento de batalha, tornou-se item diferencial entre candidatos. Em entrevista ainda inédita para um jornal goiano, o dirigente tucano Antônio Faleiros usou a rede social para reivindicar que a modernidade numa eventual gestão de Goiás cabe a Marconi Perillo, seu candidato. Questionado do porquê ser Perillo um representante da modernidade e quais instrumentos usaria para ser um gestor modernos, Faleiros explicou que, por exemplo, Marconi Perillo usa as ferramentas tecnológicas muito bem, como o... Twitter.
Ora, seguindo este pensamento, de forma retilínea (e até boçal da minha parte, confesso), mas que foi a forma igualmente retilínea apontada pelo dirigente tucano, um internauta frenético do interior do Piauí, como o auto proclamado “Lucas Celebridade”, da tímidíssima cidade de Luzilândia, pode também se revelar como um grande gestor da área tecnológica de um governo. Isto para dizer o mínimo. Marconi Perillo tem cerca de 12,5 mil seguidores. É senador de República e foi governador por oito anos. “Lucas Fama Pop”, que é como o problogger se apresenta, tem quase isso, hoje conta com mais de 10 mil seguidores.
Em seu currículo laboral e social, Lucas se apresenta como animador de eventos e radialista. Foi a São Paulo pela primeira e única vez neste ano. De ônibus. Proporcionalmente Lucas Celebridade é mais moderno e mais preparado para assumir um debate sobre modernidade e tecnologia que Marconi Perillo, caso seja este o item escolhido para ser basilar para o embate.
Esta tese não serve pra desmerecer o trabalho de Perillo como político, ou mesmo a sua aliança íntima com o uso positivo da ferramenta Twitter – Marconi, ao lado do também senador Demóstenes e do deputado Rubens Otoni, possivelmente são os políticos goianos que usam com mais objetividade e sabedoria a tal rede social – mas o que fica claro é que não é este discurso que vai transformá-lo num político moderno e cheio de idéias boas e novas. Dizer que modernidade é o gestor saber usar computador e programas de internet é como dizer que eu, tendo um carro veloz e sem nunca ter me envolvido num acidente de trânsito, poderia assumir o lugar de Rubens Barrichelo de Formula 1. Quando, na verdade, eu nem caberia dentro do cockpit.
A estratégia de colocar Marconi Perillo na proa da modernidade é atingir a imagem de Iris Rezende em dois pontos. O primeiro é quanto à compleição física do peemedebista. Ele é velho e isto é um fato tão comum quanto inexorável. Não necessariamente significa afirmar que ele seja antiquado. Mas traz como qualquer ser humano da sua idade, as marcas do tempo.
Além disto, há outra preocupação com Iris Rezende. A sua gestão recente à frente de Goiânia colocou o político que detém a carreira mais profícua e longeva de Goiás numa posição de extrema modernidade: ele ganhou a preferência de jovens na capital, atuou junto a ações efetivamente tecnológicas em diversos setores da economia e da gestão pública. Ao mudar a forma de gerir a capital, Iris usou justamente com um traço que preocupa e muito os tucanos: a modernidade.
As proposições ainda estão começando a ser descortinadas. E possivelmente o debate sobre o “moderno” e o “antiquado” está só começando. Ainda há muito a se descobrir, mas é certo que a conversa precisa ir além do discurso de que o candidato “saber usar o mouse e mandar e-mail” faz dele um grande preceptor do “novo”.
E, por fim, é fundamental ter noção de que nem toda cara limpa e esticada carrega o pensamento proporcionalmente limpo, esticado e... avançado. A idade serve para contar o tempo, e não a juventude das idéias.

Ode (torta) à tristeza

Passei pela cozinha e minha empregada, alegre e distraída, ouvia e cantarolava uma canção do Gian e Giovani. Um clássico do sertanejo infeliz, como todo bom repertório sertanejo deve ser: sofrido. “Recebi o convite do seu casamento, com letras douradas num papel bonito. Chorei de emoção quando acabei de ler. Num cantinho rabiscado no verso, ela disse ‘meu amor eu confesso estou casando, mas o grande amor da minha vida é você’”.
Sofrimento. É sabido por toda a humanidade de gente feliz e satisfeita não faz filme, não escreve livro e não grava música. É um fato que a dor e o incômodo movem as vontades, o mundo. E há nos sentimentos profundos, como o amor, um quê desta inquietude. Há algo de desesperador em todo amor que se vive. E são deles os componentes combustíveis para a criação das artes, das manifestações. Freud assumiu que o desejo move o mundo. E é isto: os desejos são os amores. De qualquer natureza, sexuais ou não.
A música está repleta de exemplos e mesmo eu não sendo um entusiasta das duplas brejeiras, e até mesmo flertando com o caricato ridículo, acredito que é preciso fazer uma defesa dos cantores do desamor. Afinal, em última análise, eles não estão sozinhos. O charme e a elegância que ganharam o mundo através do Tango já não escondem que traz dentro de si o mais bruto sentimento de abandono da pessoa amada.
A diferença entre o Tango e o Sertanejo? Muitas, infinitas, em sofisticação, elegância, trato musical e centenas de outras coisas. Mas lá no fundo a força motriz é uma só: as desilusões. De modo que a canção mais famosa mundialmente do gênero de Carlos Gardel, aquela que todos se lembram de uma cena de Perfume de Mulher, é de autoria do próprio e se chama “Por uma cabeza”, na qual o personagem compara a infelicidade trazida por uma mulher, assim como aquela tida com um cavalo de corridas. E, por fim, descobre: “por causa de uma cabeça acontecem tantas loucuras”.
Assim o Tango, o Fado, o Samba e a Bossa Nova. Estes dois ritmos, então, dispensam comentários. “Tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim”, atesta Gil e Caetano, criando uma frase lapidar para esta certeza de que a dor da dor é o que nos move.
Isto para falar de música. Mas em todas as artes, o homem tem se manifestado por causa do ser amado. Na Divina Comédia, Dante Alighieri desce ao inferno, encontra com o barqueiro do mais baixo ciclo infernal por causa de uma mulher. Não quer dinheiro, fama ou outra sorte de coisa. Quer ser amado por quem ama.
Milan Kundera, mais sutil e profundo, relata a história de um casal histriônico, Tomás e Teresa, na qual os sentimentos de perda, de abandono e da conquista perdida substituem a ternura do amor. Está em “A Insustentável Leveza do Ser”, um clássico cujas pitadas da filosofia moderna dão um ar de obra-prima universal. A evolução de qualquer sentimento de amor sexual e paixão podem ser trocados a qualquer momento por esta sensação de perda vivida pelo casal. E nisto tudo, entra um longo relato de Kundera sobre “compaixão”. Amores desfeitos geram imediata carga de compaixão, seja pelo outro ou mesmo por si próprio.



Por isto, muito preocupa esta ditadura da felicidade que o mundo se impôs. É difícil saber onde começam as coisas, os primeiros movimentos. Mesmo com um mundo tão pequeno como nós já conseguimos torná-lo, é ainda impossível saber como nascem as tendências. Mas há quem tenha criado esta sensação de felicidade plástica. Do eterno e constante sorriso. Até mesmo as cirurgias estéticas deixam as mulheres com sorrisos idênticos, marcados, os mesmos. Há uma espécie de opressão, uma ditadura da felicidade.
Existe uma obrigação em ser feliz. Em estar feliz. Em viver a vida como uma celebração à felicidade, como se não fosse possível sentir-se oprimido e confuso diante de tão gigante experiência. Quem passa pela vida sem se inquietar é porque – verdadeiramente – não foi tocado pelo titânico poder opressor que é esta experiência. Quem não se pergunta, não se põe em dúvida ou em engano, acerca do que é a vida, não conseguiu sequer entender que existe mais dúvidas que respostas em todo este processo.
E neste ponto, as religiões têm muito disto. As religiões ocidentais, como um todo, prevêem respostas para tudo. Não abrem espaço para a dúvida, para o desconhecido, para a mágica do místico, do incógnito. São estas perguntas que nos geram aflição. E da aflição, do medo, da angústia desta sensação, vamos à descoberta. Mas as religiões não admitem isto. Querem responder a tudo, mesmo que desafiem a lógica, o sentido e a inteligência.
Religiões são um prato cheio de idiossincrasias neste aspecto. E ao querer responder tudo, forçando respostas e forjando teorias, exigem que se acredite em nome da felicidade. É crer e ser feliz, num estalar de dedos. Em nome do conforto, as pessoas precisam crer e isto fará delas pessoas felizes. Por que não admitem que viver é também sofrer silenciosamente?
Creio, bem pessoalmente, na importância de se ter crença em algo. Ou em diversas coisas, mas que não nos apoiemos nisto como uma resposta para tudo e para todas as nossas inquietações da vida, da matéria, do espírito. Religião deve ser um trampolim e não uma muleta. Que lhe conforte, mas que lhe projete para o além de onde se está, mesmo não curando as feridas das suas dúvidas, da sua infelicidade.
Até as drogas, hoje, servem para deixar o sujeito feliz. O ecstasy, o grande barato que dominou o mundo a partir dos anos 90, vem deste conceito: a pílula do amor. Está triste? Desanimado? Levou um pé na bunda? Ora... a pílula do amor é a solução. Assim, as pessoas não se permitem mais ficar tristes. Ao inventarem tanta alegria e condenarem tão veementemente a solidão e o encantamento do muxoxo pretendem desempregar psicólogos, desocupar ombros de amigos e matar a poesia. A poesia só existe nos lapsos infelizes das pessoas alegres ou na alegria fulgás das mentes deprimidas. Se unificarem os pensamentos e comportamentos com alegria espiritual ou química, o mundo será uma massa humana idêntica.
Que vivamos, portanto, com o direito de sorrir, amar, e vivermos a história de amor que quisermos. Mas que tenhamos igualmente o espaço para o banzo, a melancolia. Que possamos viver sem censura as perdas dos amores desfeitos. Que choremos baixinho, sem que ninguém veja, mas sem culpa, pelos abandonos, os laços desfeitos, os planos inconclusos, os sonhos não materializados.
Que nossas inquietudes e dúvidas em relação à vida faça-nos filósofos, pensadores, poetas, políticos, escritores, artistas, músicos, compositores da existência humana, uma epopéia que os mais medíocres sequer conseguem enxergar, como se analisar isto fosse conversa de quem anda desligado do mundo. O que não vêem é que o mundo só existe para que você esteja vivo e nele viva.
A vida, a arte e o mundo de sentimentos que abrigamos dentro de nós pedem por isto. Que não sejamos imediatistas ou apressados, porque a felicidade há de surgir uma vez que as coisas boas sempre pedem passagem em nossa vida. Enquanto isto, de Gian e Giovani ou de Carlos Gardel, que possamos viver a intensidade em verdade daquilo tudo o que sentimos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Permita-se

‘A felicidade é uma arma perigosa’, escreveu John Lennon numa música dos Beatles que, anos depois, Belchior fez questão de traduzir a frase e usá-la literalmente como ‘a felicidade é uma arma quente’. A felicidade como sentimento totalitário é composto de diversos preceitos. “Ninguém é feliz, somente se está feliz”, muito já se sabe disto com a própria experiência de vida. Mas, uma hora, e esta hora haverá de chegar, nós nos saberemos felizes ou não. Mais do que estarmos ou sentimos, em algum momento já mais próximo do ocaso da nossa existência, vamos saber o que construímos e avaliar se fomos ou não felizes. Aí, sim, torna-se totalitária a sensação de felicidade.
Um dos componentes da felicidade é viver o amor. Ou os amores. Porque os amores são tantos e infinitos na rede de sentimentos que despertam em cada um. O amor pelos filhos, na magnífica relação instintiva que o animal tem pelos seus descendentes, o amor pelos pais na mesma medida. Mas o grande amor em questão, o perigoso amor, é o que se escolhe. O amor que se opta por viver.
E este amor, ou estes amores que se sente, é tão perigoso quanto a felicidade. Amor mata e faz morrer. Quase tudo é amor. E há os tipos de amor que constroem e os tipos de amor que destroem. Neste processo de paixão e amor por outra pessoa, uma desconhecida da qual em poucos instantes decidimos viver com e por ela, os amores são diversos e para diversos fins. Mas uma coisa neste texto haverá de ficar claro: amores não são feitos somente para fazer bem.
Quem prega que o amor é um sentimento sagrado, ou que pregue qualquer preceito transcendental, religioso, que desperte o amor, que me desculpe, mas nunca sentiu-se suficientemente repleto, transbordante da mais pura manifestação do amor. Porque o amor nos agoniza. Nem todo amor faz bem, porque o amor não nasce com a missão de construir. Ele nasce com a missão de acontecer. O amor é. Pronto. Ele é. Ele não tem de servir para isto ou aquilo. Não tem que servir de palco para construir um matrimônio, filhos lindos, uma casa na praia e dois velhinhos abraçados no domingo a tarde no parque. O amor pode virar isto, mas não é somente para isto que ele nos serve.
Porque o amor é agressivo por natureza. É um redemoinho de sensações. O sentimento do amor, bem com outras sensações igualmente pontiagudas e lancinantes, invade o cérebro humano em uma série de descargas eletroquímicas, numa explicação mais cética. Mas também invade a alma e nos recria, inventa belezas que não existem, cheiros agradáveis, coincidências inimagináveis. O amor constrói em nós o imaginário mais delirante como sendo a realidade mais banal. É o amor. Quem haverá de negar a mágica do amor para fica na frieza das explicações científicas? Ora, todo mundo sabe que o céu de Ícaro tem mais graça que o de Galileu.
Mas mesmo assim, com a explicação que você quiser ter, o amor não é feito para fazer bem. Porque o amor não é feito para nada. Repito: o amor é.
E tentam explicar, esclarecer. E quanto mais o fazem, mais se confundem. O amor é a sensação cuja existência se justifica em si própria. Quem nunca viveu o amor destrutivo? Aquele cuja vontade é matar, morrer, gritar, arrancar do peito o sentimento que faz com que você sinta ódio, desejo, paixão, raiva, cólera e supremo amor pelo ser amado e desejado? Amores são brutos.
Tentam mostrar a doçura do amor. E tentam até mais: mostrar que amor somente vale a pena quando são construtivos. Amor só é amor quando conclui-se no altar.
Mentira.
Patética mentira.
Até porque nem sempre pessoas se casam com seus grandes amores.
E até porque, em última análise, quantos amores não são precisos começar e terminar para que haja um que construa algo para além do tempo que o amor está em vigência? É preciso errar muitas vezes para acertar, é fato. Mas não é assim como amor porque ele não precisa da sua ou da minha aprovação sobre o que é certo ou errado para existir. O amor é. Não venha você com idéias requintadas e prontas para enquadrar o amor. Porque ele vai escorrer das suas mãos solenemente.
É comum que confundamos amor com felicidade. O amor pode trazer felicidade e a própria felicidade não existirá sem a presença do amor. Mas amar não é estar feliz. Amar não é distribuir sorrisos e estar em paz. Acham que amor é paz. Não, não... não é. E não me venha com o papo de paixão. Uma coisa é paixão e outra é amor. Desafio quem amou alguém sem ter sentido o que chamam de paixão. Paixão é o nome que dão aos amores desfeitos. É uma desculpa. Ah, não era amor... era uma paixão. Não seja covarde com o amor. Admita que ele veio, passou, e foi. E foi ótimo.
É fundamental encarar a agressividade do amor para que, enfim, possamos vivê-lo em sua melhor forma. Porque o amor é quem nos escolhe e não o contrário. Quando acontece, a hora que você pensa em desistir, ele já lhe ganhou pelas pernas, braços, pela dura-máter. É preciso compreender que nem todo amor que lhe faz mal, que destrói é um péssimo sentimento que não pode ser chamado de amor. É amor, sim.
E somente com os amores brutos e perdidos, inconclusos e escondidos nas trincheiras do tempo é que podemos vislumbrar a sorte de nos encontrarmos com um amor perfeito e construtivo. Destes dos velhinhos no parque. Possivelmente todo mundo quer este amor. E quer passar por cima dos perigosos, nocivos, dos sentimentos rasteiros e instintivos. O que não se entende é que somente através dos amores que não dão certo é que aprendemos a viver mais e melhor o amor para quando novamente ele aparecer, sabermos aproveitá-lo e usá-lo da melhor forma.
O amor ensina.
E só se vive o que se ama.
Não é porque você sofre que passa a ser ruim aquela experiência amorosa. Não é porque destrói que deixa de ser o nobre amor. É preciso coragem para amar e mais coragem ainda para não desprezar o amor. Porque fugir é fácil demais. Correr é fácil demais. Não encarar a vida em todas as suas grandezas – e muitas as grandezas que a vida nos oferece – é mais fácil que vivenciá-las. Mas somente com coragem para viver o que é “certo” ou “errado” é que se torna possível, uma hora, ter a sorte de construir algo.
Para isto, uma palavra de ordem basta: permita-se.
Permita-se viver amores seguros, de mãos dadas no cinema e a companhia certa na hora da missa ou do culto. Permita a alegria dos passeios nas tardes ensolaradas. Mas também permita-se viver a intensidade do desejo, das incertezas, dos amores nocivos e incertos. Dos amores noturnos, de quando todos dormem e somente os lençóis testemunham todo o medo e desejo guardado somente para serem esconjurados naquele momento. Permita o risco. Permita o amor proibido. Permita o desejo.
Permita a vida que, de tão certa e exata, um dia acaba.
Permita-se viver a experiência que alguém, Deus ou a Mãe Natureza, ou algo que você creia com força, lhe permitiu viver. A humanidade ao longo dos séculos tem tentado se impor freios e amarras que não são da vida ou da existência, mas são das políticas conspiratórias para dominar o homem. O homem, indomável, cai nesta armadilha, entre o que pode e o que não pode. Tudo é possível e tudo é permitido desde que lhe agrade e lhe seja bom. Se você gosta, seja. Se você quer, toque.
O amor não pede permissão para acontecer em determinados lares. O amor, sabe-se, não escolhe idade, religião, atenção, o amor não escolhe nem mesmo sexo. E ainda tentam fazer com que ele seja um sentimento exclusivo de determinada frente específica. Há quem tente, de batina, de gravata ou de avental, ter exclusividade por sobre sensações e sentimentos inerentes do animal humano. Não têm.
Portanto: permita-se a tudo que lhe fizer bem de acordo com o seu julgamento. Porque os amores são os amores. E só. Sorte de quem os encontrar para toda a vida e não só para o deleite seguinte. Os amores são brutos e brutos são os homens uns com os outros. Amemos e vivamos com coragem até encontrarmos o equilíbrio das sensações e sentimentos. E então, lá naquele momento final, saberemos dizer o quanto a felicidade foi um momento em nossa vida ou uma constante ao longo da trajetória.
A vida é pra quem tem coragem.
Permita-se.

domingo, 16 de maio de 2010

Dez anos esta noite

A vida não pede licença.
São dez anos e parece que eu consigo ainda lembrar o cheiro do monóxido de carbono que impregnava na sala de recepção do prédio gigante próximo à Praça da Bíblia. A pressa e velocidade dos carros e dos ônibus coletivos que entravam e saíam do terminal que ali funciona contrastavam diametralmente com o aspecto bucólico – e é este o termo perfeito – daquela sala de recepção. O caminho repleto de verde, com plantas, flores e obras de arte – para todos os gostos e conhecimentos – era uma espécie de oásis florestal no meio da imagem clichê da selva de pedra. Era o centro de Goiânia.
Na chegada ao Diário da Manhã através desta entrada, o choque de realidades sensoriais é muito grande. É como se mudasse o clima, o ambiente, a vida por completo em apenas alguns passos, num exercício de realidade virtual tão real quanto qualquer outra como as conhecemos. Os escapamentos dos ônibus assoprando poluição comburida com seus ruídos estrondosos de marchas sendo reduzidas ou aumentadas, o ronco dos motores possantes que impulsionam toneladas, de ferro e pessoas, – tudo aquilo ia sumindo a cada passo que se dava em direção à entrada daquele imóvel, como a última memória antes de adormecermos. A cada metro o verde ia crescendo em nossos olhos, o cheiro da poluição ia perdendo espaço e a vida triunfava solene, no som dos passarinhos nas árvores altas e no silêncio, repito, bucólico.
Mas todas estas impressões eu só fui ter tempos depois, quando entrar ali tornara-se uma tarefa diária, e muitas vezes apressada e árdua. Naquele dia, não. Na tarde daquele dia não havia tempo ou espaço mental para se ocupar da poesia do ambiente construído por Batista Custódio, e de sua mente brotado. Eu não fazia idéia, mas quando da minha primeira entrada em uma recepção de jornal diário, deu-se a minha entrada no jornalismo e na profissão de repórter de um dos maiores jornais diários do Centro Oeste.
Era minha primeira vez.
E, hoje, dia 12, faz 10 anos deste dia.
Eu e o também estudante do segundo ano da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb) da Universidade Federal de Goiás, Victor Hugo Lopes, tomamos a decisão no início daquela semana de ir até o DM a fim de conseguir saber mais detalhes sobre o murmurinho de que estavam empregando estudantes por lá. Fizemos a combinação em silêncio nos corredores da faculdade, já que estudantes que ocupavam o lugar de jornalistas formados eram mal vistos pelos professores. Quando não perseguidos. Fizemos, assim mesmo, o nosso plano e por volta das 14 horas da sexta-feira, dia 12 de maio de 2000, entramos na tal recepção do Diário da Manhã em busca de um emprego, estágio, ou qualquer coisa que pudéssemos fazer dentro de um jornal.
Não sei, nunca soube e possivelmente não saberei – possivelmente porque não haverá explicação mais formal – porque ao informarmos da nossa intenção à recepcionista nós fomos encaminhados diretamente para a sala, a mesa e para os olhos inquiridores do dono do jornal. Não fomos recebidos por editores, outros jornalistas, funcionários do RH, nada disto. Encontramos e fomos entrevistados não somente pelo editor-geral, mas o sujeito que criou toda aquela estrutura e todas as demais coisas que fizeram com que seu nome fosse escrito na história da Comunicação de Goiás.
Em coisa de 15 minutos, dois estudantes recém começados no segundo ano de faculdade de Jornalismo deixaram o ônibus do Eixo Anhanguera para estar na sala de Batista Custódio, editor-geral e dono do Diário da Manhã.



“Quem é seu pai? E seu avô” – perguntou um sério senhor de bigodes brancos e de comportamento um tanto quanto curioso para o meu colega de empreita, Victor Hugo. Mais do que querer saber com quem estava falando, Custódio queria saber com a família de quem estava lidando. Pela conversa com ele, eu observava que a situação não parecia boa para mim, principalmente porque calhou do meu sócio na missão secreta de conseguir um emprego era neto de um juiz e fazendeiro bem conhecido do nosso entrevistador, da cidade de Jandaia.
Mais duas ou três perguntas amenas para ele, os olhos ágeis e misteriosos (curioso olhar) de Batista Custódio me descobriram.
“E você?”, me perguntou, economizando palavras. E eu assim o fiz, economizando as interrogações dele. “Sou filho de ninguém que o senhor conheça. Não tenho família em Goiás. Eu vim do Rio de Janeiro, mas moro em Anápolis”, expliquei já sem qualquer compromisso. A esperança findara-se quando vi que a expectativa da entrevista passava pelo campo de afinidades pessoais, ou regionais. O editor-geral do Diário da Manhã retomou o olhar a mim, deixando de lado algum tipo de leitura que fazia na mesa e, por sobre os óculos, disparou, sem rodeios: “Mas você não é daqueles comunistas de faculdade vindo do Rio de Janeiro, não, né?”.
“Não, não sou. E nem esses maconheiros de faculdade de jornalismo”, eu respondi. Mentalmente. Porque, na verdade, o que saiu foi apenas uma risada mofada, daquela bem sem intenção de sorrir, e a negativa, alegando que, não, eu não era comunista de faculdade. Em 2000, aliás, fora dos museus ideológicos dos guetos políticos, era bem difícil encontrar a tal espécie há muito em extinção: o tal comunista.
A mim, Batista não perguntou mais nada. Das muitas perguntas simpáticas que fez ao Victor Hugo, a mim, só sobrou esta. O velho jornalista, de corpo opulento e camisa meia manga, recolheu o braço direito e o colocou por baixo da mesa. Em seguida uma campainha estridente, daquelas que parecem um choque elétrico, tocou e a secretária, cuja tão curta distância de nós permitia que ela ouvisse um sussurro do chefe, veio até nós. A ordem de Batista: encaminharmo-nos para Ferreira Junior, então chefe de redação.
Nós, eu e Victor Hugo, não sabíamos. Mas estávamos contratados em nosso primeiro emprego como repórteres da Editoria de Cidades do Jornal Diário da Manhã. Para começar a trabalhar na segunda, 15 de maio de 2000.



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De lá para cá, muitas impressões ficaram. Muitos dissabores também. Porém pequenos, daqueles que o desgaste que o tempo promove nas coisas faz com que fiquem minúsculos, imperceptíveis. E com um ciclo de uma década de profissão como jornalista, prefiro eu sempre repetir “repórter”, um dos ensinamentos para a vida que mais ficam em mim é este: poucas são as infelicidades da vida as quais, de grandes no momento, mostram-se tolas e quase nada quando analisadas em perspectiva. Os percalços e dificuldades incomodam como uma topada no pé da mesa. A dor, de intensa no instante, some até mesmo da memória minutos depois.
Assim temos feito, assim Eu tenho feito: vivido eventuais dissabores, mas saboreado em minha memória cada instante de prazer destes 10 anos evoluindo em pautas, reportagens, descobertas, disputas, embates, erros, acertos e, certamente, em crescimento profissional. E pessoal, por causa da Causa profissional.
Eu poderia falar nesta reminiscência dos meses que fiquei com atraso de salário no Diário da Manhã. Certamente, muitos dos que por lá passaram, antes, comigo e depois de mim, se lembram disto e me cobrariam para narrar tal fato. Principalmente os professores da UFG que odiavam tanto o jornal. Insistiriam para que eu contasse estas passagens e não fazer parecer que o DM era um mar de rosas e de doces poesias. Não era. Nunca foi. E nem era para ser.
No entanto, eu prefiro contar e recobrar de momentos que até hoje carrego comigo. Se eu recebi meu salário com atraso por dois, três meses, hoje já não preciso mais pensar nisto, já não vivo sob o jugo do salário que falta, do dinheiro que eu conto para pagar o aluguel. Isto passou e, por mérito meu, isto passou. E em última análise, me perdoem os colegas da época: mas para quem fazia segundo ano de faculdade, tinha 22 anos e não sabia coisa alguma da profissão, ganhar o piso como jornalista, estar dentro de um diário, e emplacar matérias e reportagens na capa do jornal, já era um salário e tanto.

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Uma das lições, explicadas – claro – à base do esporro, que Batista Custódio me brindou aconteceu numa tarde quente de Goiânia em que ele me chamou à sua sala e reivindicou alguns pontos sobre determinada reportagem. Entre outras coisas, disse, relendo um material que eu tinha escrito, que eu escrevia muito “que”. “Seu texto tem muito “que”. Tudo tem que, que, que”, disse ele. Eu, distraído com o comentário, por inocência e desleixo, já que não tinha ouvido o que ele dissera, perguntei: “Que?” E ele, concordando com a minha distração: “É... ‘que’”.
Demorei alguns minutos, depois que deixei a sua sala, para entender a razão da reclamação dele: meu texto trazia muito repetidamente a palavra “que”. Na mesma conversa, ele cortou quase metade do texto, alegando ter muita embromação e me dizendo uma frase que desde então me acompanha:
“Uma reportagem precisa ter uma informação por linha. Uma informação por linha”.
Saí de sua sala com um ar pesado, de quem acaba de levar uma bronca do chefe, no caso, do patrão-maior. Eu ainda não sabia que era o jeito dele de partilhar conhecimento e que, ali, naquele instante, ele me ensinara a lição mais preciosa que tenho na vida: uma informação por linha.
E, hoje, uma década depois, eu sempre me faço a mesma pergunta toda vez que sento para escrever qualquer texto:
– Será que eu ainda repito mesmo muito “que”?
A vida não pede licença.


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E muito menos desculpa.
Que venham os próximos anos e décadas.

PSDB adota a estratégia do confronto em Anápolis

Tucanos apostam no enfrentamento de agendas em relação ao Governo do Estado e em toda atividade com presença de Alcides, o senador Marconi Perillo marca território em terras anapolinas. Políticos afirmam que ação gera comparação e é “tiro no pé do PSDB”



Começou com o que parecia uma fatalidade de agendas. Justamente no dia em que Alcides Rodrigues, direto de Goiânia, anunciava investimento de R$ 12 milhões para a infraestrutura de Anápolis, e na mesma data o governadoriável Iris Rezende visitava a cidade para acompanhar um evento sobre a Anistia, o pré-candidato e senador tucano Marconi Perillo visitava as emissoras de rádio da cidade. E na mala, trazia muita, mas muita munição contra seus supostos adversários.
Na ocasião, que ganhou repercussão para bem além das cercanias anapolinas, marcando a semana no Estado de Goiás, Perillo tentou desferir golpes pesados contra Iris Rezende, mas com a intenção virulenta mesmo de atingir ao governador Alcides Rodrigues. Enquanto a Caixa Econômica Federal premiava o Governo de Goiás pelo comprometimento e lisura nas contas públicas, em audiência no Palácio das Esmeraldas, Marconi Perillo tratava de ressaltar que o governo era lento, sem compromisso e cheio de falhas de todas as naturezas. Mas, até o momento, tudo parecia uma coincidência.
Na semana seguinte, as possibilidades de coincidência cessaram à medida que a história completa se repetiu. Novamente enquanto, de Goiânia, Alcides enviava à cidade de Anápolis mais uma verba, a tropa tucana reiterava ataques ao governo e a seus aliados. Na ocasião, Alcides Rodrigues assinou a emissão de R$ 1 milhão para a construção da nova Câmara Municipal, um projeto realizado em parceria com a Prefeitura da cidade. Por aqui, na imprensa líderes tucanos locais tentavam destituir os méritos da ação, alegando que o senador Marconi Perillo destinara à cidade verba de soma semelhante e que a administração local não teria tomado iniciativa de buscar.

Alerta
A gota d’água, porém, aconteceu na última semana quando da visita do governador Alcides Rodrigues à cidade para dar início às obras de duplicação da Avenida Pedro Ludovico. Imediatamente, notícias sobre Marconi Perillo ganharam espaço no noticiário diário das emissoras de rádio que se dedicam a fazer a cobertura jornalística da cidade.
O objetivo, novamente, é claro: disputar espaço do eleitor anapolino nas manchetes. A diferença é que enquanto, como senador, Marconi Perillo somente tem a projetar ataques ou mesmo realizar comentários sobre sua pré-campanha, Alcides, que não é candidato e, portanto não tem qualquer compromisso mais contundente em mostrar serviço, surge na cidade anunciando obras e benefícios.
No microblog Twitter, os políticos da cidade já alertaram para a manobra. O presidente da Câmara Municipal, Sírio Miguel Rosa (PSB), foi o primeiro a dar notícia da disputa pela mídia. “Todo dia que o Governador vem a Anápolis tem noticia do Senador”, disse. E depois emendou na explicação do caso, sobre uma visita à maternidade Doutor Adalberto: “Hoje estão divulgando a visita que o senador não fez na semana passada”.
Enquanto isto, em uma emissora de rádio, a vereadora Mirian Garcia (PSDB) concedeu entrevista sobre o caso da verba do Turismo, que seria de responsabilidade de seu colega de partido e senador. Ela ainda anunciou que o senador e pré-candidato estará na cidade na próxima semana, dia 25, para tratar principalmente do viaduto do Daia.

Comparação
Através do mesmo espaço virtual, foi a vez do deputado federal Rubens Otoni destacar a competição travada pelo tucano Marconi Perillo por dividir a atenção do anapolino com o atual governador. Para ele, o PSDB se “desequilibrou e já não sabe mais o que faz, diante da evidente perda de espaço”.
Em resposta a Sírio Miguel, ponderou o deputado do PT. “Este negócio de trazer o senador em Anápolis toda vez q o governador está aqui é um tiro no pé”, disse. Ainda segundo Otoni, a movimentação serve como meio de comparação “e aí é fatal”. “No governo do PSDB, prometeram para Anápolis, o trem-bala, a Plataforma Logística e o Centro de Convenções. Cadê?”, indagou o parlamentar, exaltando o perfil de gestão e parceria administrativa proposta por Alcides Rodrigues. “Com todas as dificuldades deixadas pelo governo anterior, o governador Alcides Rodrigues fez muito mais por Anápolis”, sentencia.
Rubens Otoni enumera as promessas feitas por Marconi Perillo em sua passagem de sete anos e três meses no Governo do Estado e compara com a ação de Alcides Rodrigues. “Num trabalho respeitoso e em parceria com a prefeitura, Alcides traz asfalto, saneamento e agora ajuda a construir a sede da Câmara. Enquanto em Anápolis, alguns falaram em trem-bala, Centro de Convenções e prometiam emenda para ajudar na construção da Câmara”
“É por isso que bate o desespero. E aí os erros aparecem mais. Vir aqui no mesmo dia do governador é um tiro no pé para o PSDB”, finaliza Rubens Otoni.

domingo, 9 de maio de 2010

O Brasil que Serra quer inventar para gerir


José Serra fez um governo positivo em São Paulo. Tem, de certa forma, uma identidade com o perfil médio do cidadão Estado. Sobretudo em relação a alguns setores que, se não são os mais volumosos, são – de fato – os mais influentes. O perfil de José Serra se encaixa com singela harmonia ao paulista. Não é difícil imaginar como seria um fracasso se, por um acaso, aquela mesma imagem fosse transferida para outro Estado. Ou alguém consegue pensar em Serra governando o Rio de Janeiro?
Serra é de poucos sorrisos e de humor sem graça. Falta leveza ao político, assim como falta à cidade de São Paulo e, ao todo, ao espartanismo do Estado. São Paulo não é um lugar para se rir, mas para produzir. É vital ao Brasil, é um Brasil dentro do Brasil, propriamente dito.
Acontece que, como nas palavras do ex-ministro e deputado federal, Ciro Gomes, José Serra é um cara chato. Não tem vícios, não gosta de beber, não torce por time algum (segundo ele, a manifestação do governador tucano pelo Palmeiras é pura questão de estética política do que paixão de fato). Serra é um paulista conservador, que até mesmo o espaço para o ócio é reservado na agenda. Esta é a definição de Ciro Gomes, um paulista de nascimento, que desde a primeira infância ganhou os contornos de sua personalidade moldados pela leveza e pela irreverência do nordeste brasileiro.
E, para qualquer nordestino, ou qualquer cidadão médio, (atenção, “médio”) do litoral carrega em si uma leveza que não se torna compatível com a sisudez de Serra. É um assunto questionável e subjetivo, mas é interessante perceber o quanto temas subjetivos, na prática, funcionam e se encaixam com naturalidade.
Agora, na pré-campanha das eleições, quando os candidatos estão em fase de aquecimento, surgem as evidências mais claras das deficiências, dos pensamentos, do perfil mais puro e sincero dos postulantes. Como numa preparação para uma maratona de atletismo, a fase de aquecimento e treino antes da disputa é aquela onde aparecem os pontos a serem melhorados, as lesões, e os pontos positivos de cada um.
E é justamente neste ponto que aparece o José Serra que Ciro Gomes apresentou. O chato. O Serra que não combina com o Brasil e com o brasileiro. O Serra que desliza em suas convicções, como a que afirma que os fumantes – que consomem tabaco e outras tantas substâncias nocivas – que mesmo adoecendo pelo vício continuam fumando “são pessoas sem Deus no coração”, é um tipo de cidadão que o Brasil ainda não aprendeu a cultivar. Serra que ser um cidadão e quer que o país seja o que ainda não é, o que não está pronto para ser e – em última análise – o que não se sabe se um dia vai querer ser. Serra quer um brasileiro de Esparta: direto, reto, perfeito numa perfeição chata de ser.
E por isto a crítica recorrente a Lula. Lula é o Brasil e o brasileiro. Enquanto os caciques do PSDB atacam os “modos” do presidente, o resto do país, em grande escalda, saúda o jeito de o presidente da República se referir às questões republicanas nacionais e a forma como se comunica com o brasileiro. Mais do que não admitir, a ‘intelligentsia’ do PSDB não consegue entender que é tudo uma questão de identidade.
Lula fala do Corinthians, seu time do coração e um dos mais populares do país. Faz comparações com futebol, conta piadas envolvendo cachaça, sua nada escondida predileção no mundo das bebidas. Lula fala “merda” no palanque. E para tudo isto, o alto comando dos tucanos tem uma resposta negativa, crítica e altamente moralista.
Mas, afinal, para quem discursam os tucanos? Certamente não é para o mesmo Brasil que Lula se dirige, quando aparece suado, com aparência desgastada, falando às multidões. O PSDB defende o Brasil engomado, o Brasil certinho, o Brasil que não existe e, novamente, sabe-se lá se alguém quer que ele exista.
Até mesmo o slogan da pré-campanha do PSDB com José Serra revela traços desta ambição, de transformar o país em um outro. “O Brasil pode mais”. Claro que pode e a prova disto é que não precisamos mudar de cara para sermos o que somos capazes de ser. Não precisamos que doutores de alto intelecto formal nos conduzam por somos, sim, uma nação a caminho do conhecimento e, mesmo assim, do empírico saber. Temos nossas formas de conhecimento, adquiridas de forma particular e é esta a nossa identidade, quer professores, estudiosos e tucanos queiram ou não. Nós somos um pouco Lula e estamos bastante distante de sermos um pouco, um pouquinho que seja, Serra.
E esta não é somente uma identidade brasileira, única. Antes que algum boçal reivindique que este artigo é uma defesa da sub-raça, do Zé Carioca que existe em nós, e ele existe. Mas a história recente dos Estados Unidos aponta para um caminho semelhante vivido nas eleições de Obama. Na mesma época da pré-campanha, o negro Barack Houssein Obama passou por uma mudança de imagem que o aproximou do americano médio. E assim como nós temos o pejorativo Zé Carioca, o americano médio tem o seu: Homer Simpson. O pai de família atabalhoado, confuso, preguiçoso, viciado em cerveja com os amigos, cheio de falhas de caráter e altamente dado à omissão é o retrato do americano e, daí, a identificação na relação de amor e ódio de Homer com as diversas alas sociais dos Estados Unidos.
No programa mais popular dos EUA, da apresentadora Oprah Winfrey, a Hebe negra da TV de lá, a hoje primeira-dama e toda chique e elegante Michele Obama fez revelações que, à primeira vista, soaram como música para os adversários republicanos. Ela disse que seu marido, quando chegava do trabalho, exalava um cheiro pouco agradável. Afirmou que quando ele tirava os sapatos, ninguém podia estar perto, dado o seu chulé. E, por fim, insinuou que Obama, à noite, era vítima de recorrentes... flatulências. E, por conseqüência, ela também era vítima do marido.
Em resumo: Obama tinha o popular cecê, tinha chulé e peidava. Sim, o presidente americano peida.
No entanto, a simples admissão disto parecia a condenação do pré-candidato democrata. O americano iria hostilizá-lo por isto. A turma de McCain soltou fogos, exultante. Mas o ‘inesperado’ para eles aconteceu. A popularidade de Obama cresceu assustadoramente e o americano criou identidade com o candidato negro, que trabalha, sua e fede, tem chulé e solta peidos à noite, antes de dormir.
Descobriram que Obama era um tipo de Homer. Descobriram que Obama pertence, sim, à humanidade, apesar de tudo.
A estratégia, muitíssimo bem calculada por parte dos marqueteiros, deu certo. A criação de um elo mediante a identificação foi firmado. No Brasil, Lula foi redefinido por Duda Mendonça que lhe pediu algo inédito,de tudo o que Lula ouvira como eterno candidato petista: seja quem você é, não mude. E o Brasil descobriu que Lula é brasileiro, meio Zé Carioca, meio Homer, meio como o nosso chefe, ou o nosso empregado. Lula não é um sujeito difícil de ser encontrado, mas sim é um cara como aquele que vemos aos montes pela rua. Lula é um pouco o nosso espelho.
Só que Serra não admite isso e não quer isto para ele, para os seus e nem para o Brasil. Serra quer inventar um Brasil particular, que ainda não existe, e aí sim, a partir deste novo país, ele quer ser o seu gestor, o seu avatar, a sua referência. Serra é o Lula de um Brasil que sequer foi inventado, sequer foi aventado pelos brasileiros. É a imagem chata de um Estado espartano, igualmente monótono e com ares de aristocracia separatista, baseado no lema: nós levamos o Brasil nas costas. E leva. São Paulo é, quem, carrega este país sob diversos aspectos. E acredita que, em nome disto, pode mandar no resto do país: nos seus modos, pensamentos e anseios. Alguém se lembra do cara que carrega o artilheiro campeão, depois da final decisiva?
José Serra, portanto, não está errado. Nem podem ser classificados erros e acertos neste processo. Mas ele é inadequado para o Brasil como nós o conhecemos hoje. Ele é parte integrante de uma elite importante e bastante marcante em seus traços e maneirismos e, por isto mesmo, é uma referência em São Paulo, a terra que mais o idolatra, que mais o entende e, por que não dizer?, que o inventou para o resto do mundo. Mas para o Brasil, aquela figura sem alegria, de sorriso frio e sem vitalidade, cujas imperfeições são apagadas como a celulite da modelo na capa de revista masculina, não serve como ponto de partida, não desperta paixões.
O Brasil de Serra é, ainda bem, uma utopia. E que Deus, aquele que não castiga “os fumantes ateus”, Oxalá, São Jorge e Xangô, Santa Bárbara e Iansã, e todas as divindades da diversidade do Brasil nos protejam para que este projeto não saia dos planos tucanos. Que fique lá, como um sonho emoldurado eternamente no conforto e no isolamento do Palácio dos Bandeirantes.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O efeito "Gomide" na pesquisa de Anápolis

Iris Rezende Machado, se um produto ou uma marca comercial fosse,seria o que na publicidade e na administração os acadêmicos e pesquisadores chamam de “case”. O tal “case”, um simples charme do que traduzimos intuitivamente como um “caso” é nada mais que um exemplo e um modelo curioso a ser analisado com cuidado, verificando todas as situações em que aquele fato se deu e como foram os seus desdobramentos. Um exemplo rápido de ‘case’ na publicidade: a recuperação editorial, financeira e de imagem do jornal carioca O Dia.
Quando normalmente uma empresa mata uma marca para fazer o nascimento de outra, limpa, nova e com a roupagem que se deseja dar, o diário O Dia conseguiu fazer tudo isto mantendo a sua marca, sem troca de cara. Um ‘case’ clássico estudado em vários níveis por pesquisadores de diversas áreas, da economia à comunicação.
Pois Iris Rezende, como político, se reinventou. Ele é como O Dia. Está longe, hoje, de ser o político considerado ultrapassado, desgastado e com uma imagem presa a outras eras da política de Goiás ou do Brasil. Do contrário, é atual e possui traços de modernidade em sua mais recente gestão, à frente de Goiânia.
Mas mesmo assim, há quem se recorde de Iris Rezende há, 30, 40 anos. E por isto guarda a imagem dele como um político carregado de histórias, de decisões naturais que o levaram a desagradar determinados grupos ou até mesmo alguns municípios. Em Anápolis, o retrato dos quadros PMDB estadual sempre estão marcados por estas ações do tempo. Trazem manchas amareladas de governos que, na opinião de muitos anapolinos, deu as costas para a cidade, ou não a atendeu conforme a sua importância política.
Hoje, analisando este momento pretérito da política, é mais fácil compreender que as disputas internas e de nomes antagônicos no cenário é que tiveram como efeito colateral esta mitigância de Anápolis a segundo plano. Mas, no calor dos acontecimentos é impossível analisar a história. Mesmo assim, ainda nos dias atuais, há quem sinta o quente daquelas disputas e rechace o nome de Iris Rezende por conta do seu passado e não do seu presente que nem chega a ser analisado. Coisas de paixão, como é a política.

Empate
No entanto, neste cenário municipal – olhando especificamente Anápolis – percebe-se uma mudança na visão que o anapolino tem do peemedebista. De 2002, 2006 para cá, os nomes do PMDB, como Maguito e Iris foram testados e todas as vezes a cidade descartou confiança a ambos em nome do que já houve nesta relação em outros carnavais. Agora, a situação dá claros sinais de mudança. Parece que algo pde ter mudado. E de fato aconteceu. Mas se Iris é o mesmo de sempre, já que não se fizeram adulterações significativas na matéria, o que aconteceu?
E então entra um efeito notável na política e que em Anápolis está cada vez mais claro: a transferência de credibilidade. A pesquisa Fortioti/Jornal Estado revelou na última semana não somente o grande momento pelo qual a gestão de Antônio Gomide atravessa, com quase 80% de aprovação, e o prestígio absoluto de Rubens Otoni – lembrado por mais de 68% dos eleitores para uma vaga no Senado, mas também reportou a dados eleitorais interessantes. O que mais chama atenção é que o antes preterido Iris Rezende agora cola no (também) antes queridinho da cidade, Marconi Perillo.
Se existe uma diferença bem pequena na aferição estimulada, na pesquisa espontânea – aquela que o cidadão abordado cita um nome que lhe vem à mente – registra-se um empate técnico. Marconi Perillo tem 19%, enquanto Anápolis dá a Iris Rezende 18,3% das intenções de voto.
Se Iris não mudou, mudaram as companhias. Se não foi possível reinventar um mesmo político, como fez O Dia, a mudança vem a partir da credibilidade que existe nas figuras de Rubens Otoni e de Antônio Gomide que tem feito uma administração irrepreensível, tendo 3,5% de desaprovação, valor este inferior à margem de erro que é de 4,9%. A simples aproximação de Iris Rezende a imagem destes nomes e a união destas forças ao discurso de que representam de fato a base política do presidente Lula em Goiás gerou um grande ‘case’ político, renovando e reoxigenando o conceito político que a cidade de Anápolis tem a respeito de Iris Rezende. Bem cotado, Lula tem 83,7% de aprovação na cidade.

Prestígio

Se a esperança tinha o desafio de vencer o medo, em Anápolis ela, a esperança, dá mostras de estar soberana, fazendo os anapolinos entenderem a importância do momento político de se referendar um candidato que representa o Governo Lula e o Governo Municipal de Antônio Roberto Gomide.

A campanha oficialmente ainda não começou. E e estes nomes citados, Lula, Gomide e Otoni, sequer foram às ruas da cidade e do Estado para pedir votos e explicar pessoalmente o projeto que existe para Goiás. Portanto, o acumulo de prestígio há anos não verificado de Iris em Anápolis é fruto tão-somente do aquecimento eleitoral pela proximidade com estes quadros. É de se imaginar o que poderá ocorrer quando, em campanha, Antônio Gomide colocar-se nas ruas ao lado da sua aprovação maciça para – fazendo de sua credibilidade – pedir que também creiam no projeto de Lula a ser seguido e implantado de vez em Goiás, através de Iris Rezende.

É sabido que em política a lógica é apenas uma variável remota de algo que pode acontecer. Portanto, desencadeamentos matemáticos e previsíveis têm o mesmo risco de procederem ou não de uma improbabilidade. Delírio e certeza se misturam com o mesmo peso. Mas, neste momento, uma afirmação categórica e precisa é permitida na análise dos fatos: o prestígio do PT de Rubens Otoni e de Antônio Gomide – e sua administração de resultados – já começa a dar sinais de que o período de colheita está próximo. E a safra pode ser das melhores.

(des)Acertos de uma eleição

No momento de azeitarem as máquinas, partidos e dirigentes políticos deslizam nos discursos, atacam sem estratégia a quem passa pela frente mas, principalmente, esquecem que o passado é a grande lição para um novo futuro




A última semana política em Goiás teve de tudo. Tudo mesmo. Das situações mais inusitadas até o óbvio ululante. Este exemplo ficou por conta do senador tucano Marconi Perillo que, via Twitter, “anunciou” oficialmente o que se sabia desde 2006: ele é pré-candidato do PSDB ao Governo do Estado. Em um momento de ressaca das definições acerca das desincompatibilizações, a busca por geração de notícias que ocupem o espaço destinado à política na imprensa goiana é uma tarefa árdua. Mas os dirigentes e quadros políticos de todos os partidos se esforçaram.
Com declarações confusas e, muitas vezes, visando o ataque pelo ataque, sem que haja na afirmação qualquer lastro de estratégia, a comunidade política parece viver agora um hiato de calmaria e intensa atividade interna, na qual os próprios políticos, acostumados com o calor das eleições, não estão acostumados. E então começa o festival de declarações tresloucadas.
Se o melhor aprendizado para a construção do futuro é a observância dos erros cometidos no passado, esta lição, por enquanto, não tem feito grande efeito dentro de grandes partidos e na intelectualidade de grandes nomes da política goiana. A começar pelo PMDB.
Legenda que tradicionalmente reúne as mais diversas tendências e perfis de quadros, em Goiás o partido mantém esta pluralidade e, claro, paga um preço por ela. Depois de sacramentar a pré-candidatura de Iris Rezende ao Governo e por fim a uma crise de “tensão-pré-eleitoral” em todos envolvidos direta ou indiretamente com a política, agora é o momento de organizar a chapa e o próprio partido, preparando as bases lógicas para uma campanha eleitoral.

Isolamento
E foi neste processo, dito mais fácil depois dos dias de nervosismo e apreensão sob o risco de não poder contar com a principal estrela da legenda, que a coisa desandou. A conversa que vaza para a imprensa com recorrência é a de que há uma ala importante e tradicional no PMDB que busca a formação de uma chapa pura, ou seja, com Iris candidato e na vice outro peemedebista.
“Temos um histórico de derrotas por não termos feito alianças”, grita Daniel Vilela, vereador em Goiânia, que traz no DNA tanto a política, quanto o partido. Ele é filho do ex-governador e atual prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela. “Interesses pessoais não devem sobrepor aos do PMDB”, é o que garante o deputado estadual Thiago Peixoto. Além deles, outro nome surge considerando a hipótese um absurdo. Francisco Junior, presidente da Câmara Municipal de Goiânia, não quer nem pensar na possibilidade.
As declarações partem com contundência por parte da chamada nova geração do PMDB, que desde cedo aprendeu do jeito mais duro, com a dor da derrota, que política se faz com união de forças e distribuição de louros e tarefas. O isolamento em uma chapa somente em casos urgentes, específicos e isolados. Mesmo assim há quem aja dentro do partido defendendo a idéia de que nomes como o do presidente do partido, Adib Elias, possam ocupar este espaço. E então o PT e os demais partidos que integram a corrente simpática a Iris ficariam chupando o dedo.
No entanto há quem veja a atitude dos velhos caciques do PMDB como uma estratégia clássica e manjada: a da negociação. “Fazem isto para negociar. Todos já aprenderam as lições do passado, mas agora fazem isso para chamar atenção, ganhar mais espaço e, quem sabe, atrair novos aliados”, sentencia um deputado peemedebista que se diz “um pouco descolado da linha irista”, mas mesmo assim um defensor da candidatura com o ex-prefeito à frente.
E, de fato, tanto no meio político como na imprensa, a hipótese de charme de negociação é a mais viável. Isto porque ninguém duvida que os peemedebistas não tenham aprendido com o passado recente. Em 2006, com Maguito Vilela à frente nas pesquisas e a possibilidade clara de aglutinar o PT ainda mais, o grupo do PMDB decidiu negar a vice ao partido que tem a presidência do Brasil e formar uma chapa pura. Com Onaide Santillo na vice, a derrota foi acachapante a começar pelos resultados apurados em Anápolis, terra da ex-deputada.


A candidatura que nasceu de um aborto

Mas não somente no PMDB que a memória para fraca. A suposta ‘memória seletiva’ dos políticos goianos é igualmente manifestada no lado exatamente oposto à legenda de Iris Rezende. No PSDB, os tucanos começam a se organizar na busca por um vice competitivo, e na formação de chapas tentadoras proporcionais e ao Senado.
Mas foi em uma entrevista, no mínimo curiosa, que um dos quadros mais históricos da política de Goiás manifestou-se com claro embaralhamento entre passado e presente. Perto de completar 80 anos, seu aniversário é neste dia 15, o ex-prefeito de Goiânia Nion Albernaz ocupou a imprensa para analisar os diversos cenários. E calhou de atacar a pré-candidatura apoiada pelo governador Alcides Rodrigues, liderada pelo ex-prefeito de Senador Canedo, Vanderlan Cardoso.
Segundo Albernaz, a candidatura o republicano nada mais é que um projeto forjado na cúpula dos partidos, ou seja, não tem apoio das bases nos municípios ou mesmo respaldo popular, ao contrário – é claro – da que ele defende, a do senador Marconi Perillo. “Este projeto foi criado dentro do Palácio, por lideranças de legenda. É uma candidatura de cúpula”, disse, finalizando que por esta característica, o projeto de Vanderlan estaria fadado ao fracasso.

Memórias
Outro golpe de memória que pode ser fatal para uma declaração neste momento político. Se hoje Marconi Perillo é hoje um líder inconteste da política de Goiás, depois de ser reeleito governador, sua origem está longe de ser popular ou de ter tido respaldo intenso das bases dos municípios. Em 1998, quando era um jovem e apagado deputado federal, Perillo conseguiu espaço para ser candidato no projeto do Tempo Novo, depois de ser criado – ou melhor inventado – após uma desistência.
Quem se recorda dos bastidores daquela eleição, afirma que até mesmo o então vice, o hoje governador Alcides Rodrigues, prefeito de Santa Helena, já havia sido escolhido, enquanto somente se esperava uma definição para a cabeça da chapa. E foi Roberto Balestra – que era o nome o principal nome para ocupar este espaço – quem desistiu de última hora de assumir a árdua missão de enfrentar o então todo-poderoso Iris Rezende, que abriu espaço para o jovem Marconi Perillo.

Troca de papéis
Marconi, portanto, além de ser um líder que naquele 1998 foi fabricado entre tucanos e pepistas isolados e recuados em guetos políticos diante da supremacia peemedebista, teve sua candidatura nascida a partir de um aborto projeto montado para servir a Balestra. Perillo foi chamado e conduzido por nomes como Henrique Santillo, que ainda teve resistência de entrar no projeto de início, e Fernando Cunha Junior, que até mesmo topou ir para o sacrifício de uma disputa do Senado para bancar a chapa quixotesta. E deu no que deu.
Mas Albernaz decidiu se esquecer disto, possivelmente de forma estratégica. Tudo porque agora, a comparação dos dois momentos – 1998 e 2010 – são extremamente válidos e semelhantes. A panelinha de 98 pode ser bem configurada pela vontade de Perillo em ocupar pela terceira vez o posto de governador. E quem surge no cenário como o novo, aquele que vem da escuridão do desconhecimento das massas para tentar lutar com o Golias político é justamente Vanderlan Cardoso. Mas, pensar nisto e – pior – revelar este pensamento é perigoso e não interessa ao grupo tucano.
Por fim, a favor de Vanderlan Cardoso está um argumento importante. Se de fato seu projeto nasceu de reuniões de cúpula envolvendo Alcides Rodrigues, Barbosa Neto, Sandro Mabel, Jorcelino Braga e outros caciques de alta linhagem dos partidos políticos de Goiás, Vanderlan conta ainda com o importante respaldo de Abelardo Vaz. O prefeito pepista da acanhada Inhumas nada mais é que presidente da AGM, a Associação Goiana dos Municípios, o que faz com que a pré-candidatura de Vanderlan nasça do sentimento municipalista. Se conseguir efetivar a idéia – e usá-la – de que tem o respaldo dos prefeitos e estes o apoiarem em seus sítios eleitorais, Cardoso terá uma certeza: vai dar muita dor de cabeça para Perillos e Rezendes por aí.

 
Ações de bastidores ‘amolecem
o coração’ de Ronaldo Caiado

Além deste cenário de análises ‘estrategicamente delineadas’, para o PSDB a busca por alianças segue sendo um enorme desafio. E assim, para dar respaldo no tempo de TV e promover capilaridade política para a campanha, o DEM continua sendo o grande prêmio a ser conquistado. E na última semana, a movimentação parece ter surtido efeito.
Se chegar ao presidente da legenda, Ronaldo Caiado, é uma tarefa espinhosa, a tática tucana é convencer as bases democratas. E que elas façam o serviço de amolecimento do ‘coração político’ de Caiado. Assim está sendo feito e assim parece gerar resultados. O deputado, que recentemente foi novamente ríspido com Perillo por conta do episódio Junior Friboi, agora já dá sinais de ponderação.
Frases como: “Precisamos nos unir com partidos e grupos que respeitem o DEM e que sejam afinados com nossa forma de pensar” e “Vou ouvir as bases e tomar uma decisão. Não podemos agir de forma isolada, mas sim consultar a todos”, vindas de Ronaldo Caiado, já representam muita coisa. Um passo para trás para o político que dia destes estava soltando a uma rádio de Anápolis coisas como “Não convivo com estes senhores (Junior e Marconi)”. Já para a legenda, parece ser um passo na direção do ninho tucano. Em se confirmando a possibilidade, Caiado será outro que terá de esquecer o passado e engolir Marconi Perillo de quem já se falou de quase tudo contra.